quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Quem tem medo de parto pélvico?

Um lindo vídeo de um parto humanizado hospitalar de bebê sentado. E um texto maravilhoso de Ana Cristina Duarte sobre a evolução (ou desvolução) histórica que transformou o parto pélvico em um terror absoluto para todas as grávidas e profissionais que assistem partos no Brasil. E não precisa ser assim. 

Vamos mudar essa história de terror, vamos transformá-la em muitas histórias de AMOR. Como essa aí abaixo.




"Olha, vou contar para vocês um pouco sobre partos pélvicos, o que conversei ontem com uma linda gestante cujo bebê resolveu ficar sentado até o final da gestação. Ela agora está na difícil tarefa de ter que escolher o que fazer.

Houve um tempo, até uns 50 anos atrás, que pélvico era um tipo de parto. Simples assim. Os médicos sabiam, as parteiras sabiam, e pronto. As nossas bisavós tiveram ou tinham uma irmã ou amiga que teve parto pélvico, sem maiores delongas. 

Até que surgiu a cesárea, cada vez mais segura, cada vez mais comum. Nos cursos de medicina os médicos foram perdendo contato com o pélvico e na ausência do professor, operavam. Muitos cursos de medicina pararam de ensinar parto pélvico. 

Em 2000 uma mulher do Canadá publicou um artigo enorme dizendo que o parto pélvico tinha mais risco para o bebê do que a cesárea. Esse artigo destruiu de vez as chances de um médico aprender a fazer parto pélvico e as mulheres de terem esse direito. 

Cinco anos depois, já tinham saído mais dois artigos, um provando que o anterior foi tremendamente mal feito e não tinha o valor acadêmico que lhe foi atribuído e outro acompanhando essas mesmas crianças que nasceram no trabalho anterior e mostrando que a médio prazo a via de parto não fazia diferença para as crianças. Mas que a médio prazo continuava sendo pior para as mulheres a cesariana. 

Agora já estão em andamento trabalhos nos EUA, Alemanha, Israel, França e Austrália mostrando que o parto pélvico é tão seguro quanto a cesárea, respeitadas algumas condições (bebê de termo, com menos que 4kg). 

Qual é a questão no Brasil? A questão principal é a do risco profissional. Para os que não sabem fazer parto pélvico, o cara tem pavor de acontecer alguma coisa. Para os que sabem, o problema é o risco jurídico. Diante da cultura da cesariana no Brasil, qualquer coisa que aconteça num parto pélvico, mesmo que seja alguma coisa nada a ver com o parto, algo que a criança já tinha, até um problema congênito, por exemplo, o médico vai ser acusado de ter causado aquele dano.

Às vezes não é nem o paciente que move processo, mas sim outros médicos. Num parto pélvico recente que acompanhei num hospital, o bebê nasceu e foi atendido por um pediatra da casa (não deu tempo de chamar um dos nosso). O pediatra enlouqueceu por terem deixado o bebê pélvico nascer de parto normal e disse pro médico e para os pais que tinham fraturado as duas pernas do bebê. O bebê não teve fratura alguma, raio X veio lindo, o médico não se conformou, mandou fazer de novo o raio X, que veio lindo novamente, e só assim ele parou de infernizar a pobre mãe e o pobre médico. 

E tem muito médico por aí que acha um absurdo parto normal ou natural, quanto mais um parto pélvico. Que loucura, que perigo! 

Até mesmo em partos normais a gente vê isso. Qualquer problema que o bebê tenha, se nasceu de parto normal, a culpa foi do parto. Paradoxalmente são os bebês nascidos de cesariana que têm mais problemas. Mas ninguém se preocupa com esses, nesse caso o bebê é que era doentinho. Mesmo que seja um pulmão molhado com 10 dias de UTI. Não são só médicos que estão tão mal-educados quanto à questão do nascimento. Toda a sociedade está! Muitos maridos, famílias, amigas, enchendo a cabeça das mulheres que terão ou que tiveram um parto pélvico normal. 

Atender, dentro desse cenário, um parto pélvico, é um serviço para heróis. O risco que esses médicos e parteiras correm não é do parto. É o da sociedade em que vivemos. 

É o papel de cada uma de nós aqui, como mães, profissionais e educadoras (toda mãe é uma educadora), mostrar para a sociedade, em palavras meigas e sutis, que as pessoas enlouqueceram! Que as pessoas não estão entendendo a questão do nascimento. 

Ninguém pensa nos riscos que uma mulher corre a longo prazo após uma ou mais cesarianas. Ninguém quer saber das placentas acretas, prévias, rupturas, infertilidade. Ninguém cumprimenta uma mulher que teve um parto pélvico. As pessoas a chamam de louca! 

E cabe a cada uma de nós ajudar a mudar esse cenário. 

Deixo aqui meu abraço a cada mãe que teve a coragem de ter um parto pélvico e um abraço ainda mais forte em cada mãe que não conseguiu vencer essa gigantesca onda contrária, quase tsunâmica. E um abraço ainda mais forte e profunda solidariedade a quem quis tentar, mas teve seu direito negado. 

Todos vocês são absolutamente dignas de toda a nossa admiração. 

Um abraço longo e demorado a cada profissional de saúde que tem a coragem de permtir a uma mulher parir um bebê que resolveu vir com o bumbum primeiro.

Ana Cris"


Adendos:

Artigo de 2000 que destruiu a arte do parto pélvico em todo o planeta (Valeu Hannah, amei, fofa):http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(00)02840-3/abstract

Artigo feito 5 anos após criticando o de 2000 (valeu, pessoal!)

Analisando as crianças 2 anos após o parto e mostrando que no final não havia diferença:

Revisão sobre Versão Cefálica Externa (manobra para virar o bebê ainda dentro da barriga, possibilitando um parto cefálico)

sábado, 25 de janeiro de 2014

Eu e o Ishtar-Recife: Uma História de AMOR



Eu, simplesmente, AMO o Ishtar - Recife.




Amo os nossos encontros, principalmente encontros como o de hoje, que tinha MUITA gente procurando informação, procurando sair da bolha, procurando empoderamento para definir suas escolhas e dicas de como peitar a cultura da violência obstétrica, que também é violência contra a mulher e contra a criança.



Amo o mundo da humanização do parto.

Amo poder estar mais disponível a ajudar mais e mais mulheres, como doula, como feminista e como coordenadora do grupo, para que elas não passem por violência, para que tenham uma experiência inesquecivelmente positiva de parto.



Cada parto transformador que acontece com uma das participantes do grupo (de qualquer grupo) me deixa em êxtase, como o de Marília, que aconteceu ontem, e ode Paty Brandão (foto);


Cada encontro fica mais cheio de mulheres, homens e curiosxs.

Cada encontro fica mais emocionante para quem faz e para quem participa. Está sendo comum o derramamento coletivo de lágrimas no fim dos encontros, lágrimas de libertação, lágrimas de esperança.

Amo esse mundo de ativismo em defesa dos direitos das mulheres.





Lembro do primeiro encontro em que fui, há cerca de 5 anos, onde só tinha EU de grávida, e duas recém-paridas. Os encontros eram pequenos, no salão de festas da casa de Analu, uma das fundadoras do grupo. Quando vejo no que isso está se transformando, na proporção que está tomando, em todo o Brasil, só consigo ver luzes e alegrias à frente.

Sei que ainda temos muito o que mudar, não só referente ao parto, mas também à cultura machista em que vivemos. Mas quando olho para trás, vejo como mulheres unidas e conectadas em defesa de nosso gênero fazem, verdadeiramente, uma revolução social bem sucedida.






O futuro é nosso, e é um futuro mais justo e sem violência contra mulheres e crianças.





Definitivamente, parir é um ato político. Não era para ser, assim como várias outras atitudes de mulheres que apenas são livres também não deveria. Deveria ser natural, caso a sociedade aceitasse as atitudes de mulheres sem julgamentos. Mas é político.





E as formiguinhas feministas e do parto continuam fazendo seu papel, às vezes precisam ferroar, às vezes apenas ajudam as outras a carregarem as folhas mais pesadas. Mas o trabalho está sendo feito, na maioria das vezes de forma pacífica, sem cessar, e com resultados extremamente visíveis e cheios de AMOR. Que é o que importa.