domingo, 29 de dezembro de 2013

Feminismo & Movimento Pela Humanização do Parto: uma coisa (ou causa) só

No dia em que todas as mulheres que buscam um parto respeitoso (e lutam por ele) perceberem que estão exercendo um ato político FEMINISTA de direito às escolhas sobre o próprio corpo e de luta pelo fim da violência obstétrica (que é uma das formas de violência de gênero), e que o fato delas gestarem, parirem e amamentarem NÃO as torna mais responsável pela criação dos filhos, e que essa criação DEVE ser compartilhada com os homens, assim como no dia em que todas as feministas entenderem que o movimento pela humanização do parto faz parte de uma luta feminista pelo direito de exercer uma maternidade consciente (que é uma escolha - imposta culturalmente ou não - da grande maioria das mulheres) e sem violência, e que isso faz parte de sua autonomia como mulher e MÃE, e que mulheres e crianças estão sendo violentadas e mortas por um sistema obstétrico cruel e misógino que crê que a mulher é um ser defeituoso, o movimento será um só, e o parto se tornará pauta fundamental do movimento feminista, dos direitos reprodutivos da mulher, assim como a descriminalização do aborto já é.

Na minha cabeça de FEMINISTA (DO PARTO E DO TODO), tá tudo junto e misturado, a luta é uma só: LIBERDADE, AUTONOMIA, PROTAGONISMO, DIREITOS DA MULHER, FIM DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO.

E ponto final.




sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Violência Obstétrica e Estupro Marital: SIMILARIDADES

A violência de gênero existente na assistência ao parto possui similaridades incríveis com a violência sexual, especialmente um tipo de violência sexual 'invisível': o ESTUPRO MARITAL.

A título de definição, o estupro marital é aquele que acontece quando a mulher é forçada, física ou psicologicamente, a ter relações sexuais com o seu marido/companheiro/namorado, por força, muitas vezes, de imposições culturais vindas de ambos os lados: ele acha que ela, como esposa, deve ‘obrigações’ sexuais a ele e que isso faz parte de sua ‘função’ como esposa, independente de estar desejando ou não. E ela, pela mesma imposição cultural, sente-se forçada a ceder, nem que seja para ‘acabar logo com aquilo’, ir dormir sossegada e garantir o maridinho satisfeito, já que disseram a ela que a vida de uma mulher só tem sentido se for ao lado de um ~bom~ homem.




O estupro marital é uma violência sexual relativizada e aceita por nossa cultura. Para algumas mulheres é, inclusive, difícil diferenciar o sexo propriamente dito do estupro marital, muitas ficam confusas sobre o que realmente está acontecendo, haja vista que o enraizamento machista dessa ‘função feminina’ é determinantemente forte, a ponto de fazê-las não perceber exatamente que estão sofrendo violência. O que elas têm certeza, porém, no seu íntimo, é que aquilo as deixa desconfortáveis e psicologicamente afetadas. Algumas mulheres, inclusive, podem acreditar que o problema ‘é com elas’, porque, com a repetição dessa forma de violência em ‘doses homeopáticas’, o desejo sexual, muitas vezes, deixa de existir, e o sexo passa a ser uma verdadeira obrigação e tortura, o que pode levar, inclusive, a dores locais durante o ato sexual (por pura falta de desejo, relaxamento e entrega), aumentando a sensação de que ‘ela’ é que não está bem e à auto-culpabilização pela crise sexual em que o casal começa a ingressar.





Definido o conceito de estupro marital, voltamos às associações com a violência obstétrica:

1. Ambas as violências envolvem invasão não-autorizada de órgãos genitais femininos. Afinal, calar não é consentir. Calar, muitas vezes, é o que resta àquela mulher, que foi ensinada a obedecer e a ficar calada em situações de sofrimento.

2. Ambas as violências envolvem uma pessoa em quem elas confiam e que atua como agressor, (no caso da violência obstétrica, exceto nos casos em que o parto acontece em hospital público ou em emergência). Mas, via de regra, o autor da violência obstétrica é, muitas vezes, o/a ginecologista fofo/a que a acompanha há anos.

3. O agressor é uma pessoa que se entende como ‘superior’ na relação, porque, culturalmente, ensinaram isso a eles. O médico, no papel de ‘deus do conhecimento’, o marido no papel de ‘deus-homem’ mesmo.

4. Ambas as violências têm um fator culpabilizatório da mulher fundamental para que o processo continue a ser executado e repetido. Ela é colocada como a única responsável pela manutenção do casamento, assim como ela é colocada como a única responsável pela vida daquela criança, e a violência psicológica feita pelo agressor coloca justamente em xeque essa responsabilidade de mulher e mãe.

5. Após um parto violento, daqueles que terminam com a sensação de que não era exatamente como o que ela tinha em mente, assim como após um estupro marital, muitas mulheres se sentem mal, se sentem violentadas, tanto que não são poucos os relatos de mulheres que sentiram 'como se tivessem sido estupradas' (no sentido literal do termo) após uma assistência obstétrica violenta, principalmente daquelas que gostariam de ter tido um parto normal bonito, mas, ao invés disso, em função do relativismo cultural que ‘permite’ essas formas veladas de violência, ter sofrido um parto normal desrespeitoso ou uma cesariana sem indicação.





6. Ambas as violências minam a auto-estima da mulher. Na violência obstétrica, ela sente que seu corpo é incompetente para parir, o que também pode ser determinante com relação à sua segurança nos cuidados com o bebê e na capacidade de amamentar. No estupro marital, ela se sente incompetente como esposa, por seu corpo (mais uma vez, o ‘corpo defeituoso’) não sentir a mesma vontade sempre que o seu marido quer sexo.

7. O agressor não sabe que é um agressor, até que a mulher se conscientize de que sofreu ou sofre violência e que, mesmo depois disso, consiga denunciar, o que é muito difícil em ambos os casos. Ele – o agressor – se sente injustiçado sempre que a denúncia acontece. E, se a denúncia for consumada, a primeira reação do agressor é chamar a mulher de ~puta~ ou de ~louca~ (só para variar).

Algumas diferenças e que geram dificuldades nas denúncias: não temos uma legislação ainda específica direcionada à violência obstétrica, o que atrapalha ainda mais as denúncias. Com relação ao estupro marital, dificilmente acontece lesão corporal, o que também pode dificultar ou inibir a denúncia (além da própria dificuldade de se entende-lo como violência, assim como ocorre na violência obstétrica). As lesões corporais oriundas do parto são justificadas como ‘necessárias’ pelo sistema obstétrico violento em que estamos inseridxs.

Portanto, agora que todos estão percebendo que existem duas violências de gênero com características de violências sexuais (a sexual propriamente dita e a obstétrica), mas que são invisibilizadas por nosso relativismo cultural, é chegada a hora de abrir os olhos das mulheres para a denúncia. Porque NENHUMA MULHER deve ser submetida à violência, nem a explícita e escancarada, nem àquelas violências que são cometidas em doses perigosamente homeopáticas.