sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Sobre Mutilação Genital Feminina


Crédito da Foto: Carla Raiter - Projeto 1:4 - Retratos da violência obstétrica
www.carlaraiter.com/1em4

Podemos concordar que a grande maioria das pessoas de cultura ocidental acha um verdadeiro absurdo e falta de humanidade a CLITORECTOMIA, ou seja, a extirpação mecânica do clitóris, feita ainda em algumas meninas no mundo, por motivação cultural e religiosa extremistas.

E se eu disser que nós também temos a nossa própria mutilação genital feminina, também aceita culturalmente, o que vocês achariam disso?

Pois é. A nossa EPISIOTOMIA está aí para contar essa história. O famoso 'corte' executado na entrada da vagina no momento do parto é uma mutilação genital feminina aceita por nossa sociedade. Exemplo do típico procedimento que foi introduzido na medicina sem absolutamente nenhum embasamento científico, e que vem sendo repetido em milhares e milhares de mulheres desde então.

Raciocinando de forma sociológica, é extremamente emblemático para a manutenção de nossa cultura machista cortar a entrada da vagina e, pior, fazer com que acreditemos que não se consegue parir sem esse corte.

Mas vamos falar da vagina. Ah, a vagina... Essa maldita, que põe os homens em perdição, que faz com que eles fiquem loucos e não consigam mais agir racionalmente... Ah, a vagina, símbolo de tanta falta de controle... Ah, a vagina... Até 'dentes' ela já teve, de tão perigosa que é. Melhor cortá-la, assim a gente mostra quem manda nela, na vagina e em sua proprietária. E, assim, também conseguimos fazer com que elas - as proprietárias dessa estrutura anatômica demoníaca - acreditem que nasceram com ~defeito~, e precisam da ajuda de uma medicina que tem tantas intervenções com base, apenas, na misoginia de nossa cultura.

Da mesma forma que a extirpação do clitóris emperra e bloqueia a vida sexual de uma mulher, a episiotomia, muitas vezes, pode exercer o mesmo efeito. A cicatriz do corte continua a doer em muitas, física ou emocionalmente. O simbolismo contido neste ato médico e disfarçado de 'necessidade em ajudar' é imenso, basta parar para pensar em todo o contexto, do que significa a vagina em nossa cultura e na necessidade que essa cultura tem de controlar o corpo da mulher e sua sexualidade, seja de que forma for, inclusive disfarçada de procedimento médico essencial.

Lembrar também da expressão 'o ponto do marido', que tantos ainda usam para valorizar a episiotomia e suas inúmeras suturas. Inacreditável o machismo contido em tudo o que permeia a famigerada episiotomia.

A episiotomia é uma LESÃO CORPORAL (anotem isso) de caráter MUTILATÓRIO, afinal, a secção feita na musculatura do períneo é de forma transversal à direção dessas fibras musculares, ou seja, em palavra mais fáceis de entender, o músculo circular é cortado ao meio e, por mais bem suturado que seja, JAMAIS volta a ser o que era antes, porque a sutura não une de forma alguma essas fibras de modo que elas funcionem como antes do procedimento. E isso trás consequencias emocionais e físicas muitas vezes irreversíveis para muitas mulheres. Por que continua sendo praticada rotineiramente na grande maioria dos partos normais que ocorrem no Brasil? E porque muitas mulheres não questionam isso?

Exterminemos todas as formas de mutilação feminina. Também temos direito a viver nossa sexualidade de forma completa, inteira, sem cortes. Nós também temos direito à nossa integridade física e emocional. Nós também temos direitos a orgasmos livres e múltiplos.

Deixem nossos períneos e nossos clitóris em paz.

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“Os meus 2 ‘partos normais’ foram no hospital... o primeiro foi o da episiotomia dessa cicatriz imensa da foto.. e o segundo foi humanizado..

O bebê do primeiro parto nasceu com 46cm, 3.170kg com essa episio enorme... já o bebê do segundo parto, nasceu com 3.645kg e zero de laceração.

Bom... em 2008 acreditava que a cesárea era a opção mais segura e 'menos sofrida’, afinal era o que era 'vendido' pra mim. Até que por volta das 30 semanas, após ler muito, resolvi que queria um parto normal. O médico do pré-natal se mostrava 'favorável'… e pra minha surpresa, ele disse que fazia sim, mas eu tinha que saber que a minha pélvis seria “dilacerada” no parto e a “bexiga poderia sair pra fora”… “bem comum isso”.

Saí chocada do consultório e fui atrás de médicos, informação! (…)

Na segunda-feira, eu tinha consulta marcada com o "antigo médico da pélvis dilacerada e bexiga que poderia sair pra fora"... e nessa consulta, eu já tinha na minha cabeça que seria a última. Até que ele resolve me fazer um exame de toque. Eu estava com 37 semanas e nesse toque ele viu que eu estava com 3 dedos de dilatação. Sugeriu então que descolasse minha bolsa pq provavelmente eu entraria em trabalho de parto de madrugada e ele "talvez" não pudesse me atender.

Pensei muito e acabei concordando. Não imaginava que seria assim. Mas ok. Ele me mandou para a maternidade muito rápido porque ele iria pra lá assim que acabasse as consultas dele.

Cheguei no hospital e recebi o pacote completo: raspagem dos pêlos, lavagem e soro. Me deixaram na sala de pré-parto com o soro e deitada… quando ele chegou, estourou minha bolsa e viu que já tinha dilatação total (duas horas no soro). Corremos para o centro cirúrgico e lá tive minha "cesárea vaginal".

Não foi nada como queria, foi traumatizante e a recuperação da episiotomia... foi péssima!”

Por Raquel B.